Bem-vinda a Quixeramobim lembra os dias em que ‘tá bonito pra chover’

Protagonizado por Max Petterson e Monique Alfradique, o longa abusa da comédia escrachada. Porém, sem perder o tom e o humor. O filme guarda também uma perspectiva social relevante, e pode ser tido como uma declaração ao Nordeste.




Cinema, Cultura

Bem-vinda a Quixeramobim é um riso incontrolável, daqueles que percorre o corpo e nos faz sentir por alguns momentos mais vivo, mais humano. O filme não tem receios em escancarar o seu lado bairrista, e ao seu modo é também uma carta de amor ao Nordeste, e em especial ao Ceará. Com uma história simples e que apega em uma mudança abrupta e uma protagonista cativante, o longa se constrói e não consolida grandes pretensões. Contudo, ao se despir delas ele alcança uma série larga de realizações. É uma comédia no seu estilo mais tradicional, sem medo de parecer vulgar, banha-se nos arquétipos nordestinos, e sem demérito leva o espectador a gargalhadas longas e sinceras.

Naturalmente que o filme tem um sabor diferente para quem é do Nordeste, e é em nome desse sabor que me desfaço da pompa jornalística. Assim, é importante pontuar que esse texto não é uma crítica detalhada, é muito mais um relato de quem riu e se viu em diversas frases ditas ao correr das cenas.

Bem-vinda a Quixeramobim é uma comédia que se escora na realidade, ela bebe dos desmandos políticos e corruptos, até a sanha quase indomável do capital privado. Nesse meio tempo, recheia a história com dilemas que ainda marcam o sertão. Em pouco menos de duas horas, o filme conversa sobre privatização da água, desabastecimento no sertão, o poder das mídias sociais e a necessidade de reação organizada contra os descalabros da vida pública nacional.

Importante destacar que todas essas questões se apoiam em uma sequência quase interminável de risadas. O filme faz o seu espectador rir, como uma comédia deveria fazer, mas, não o faz deixar de pensar. Em Bem-vinda a Quixeramobim o riso contém uma camada larga de racionalidade, o riso está na capacidade daqueles personagens de fazer o duro cotidiano leve.

Como dito por Paulo Gustavo: rir é um ato de resistência. O filme em destaque resiste e faz seu público ter forças para resistir. Bem-vinda a Quixeramobim é uma ode ao Ceará, às suas belezas, mas, de sobremaneira é uma ode ao cearense. Não é possível definir o cearense em palavras ligeiras, e também não é possível defini-lo no mundo de um livro. Cearense é um estado de espirito. Esse modo de vida encontra uma fresta em Bem-vinda a Quixeramobim. Nessa fresta vasa o riso, o afeto, o senso de comunidade. Vasa a resiliência.

Com um elenco marcadamente nordestino, duas figuras precisam ser comentadas: Valéria Vitorino e Max Petterson. Valéria é a eterna Rossicléia, tem humor na veia e se dedica ao seu ofício com maestria sem igual. Na tela, ela lembra Rossicléia, porém, no instante seguinte ela puramente Genésia, uma mulher vívida e que guarda nos olhos a esperança do amanhã. Genésia tem no olhar a caracterização da expressão: tá bonito pra chover. E são nas cenas comandadas por ela que olhos também ficam bonitos para chover. Nos meus olhos choveu.

O que falar de Max? No instante em que ele aparece ele leva o filme para si, Eri é naturalmente divertido, sonhador. Eri tem a potencia de uma singularidade generosa, tem o dom do riso fácil. Olhar para Eri é encontrar um motivo para gargalhar. Max está em seu habitat, encontra um lugar em que seu personagem se confunde com ele mesmo. Se confunde, pois, os dois tem a carga da nordestinidade marcada, tem uma simplicidade nativa, tem paixão por suas raízes, tem no peito um brilho dos dias em que ‘tá bonito para chover’.

Em uma perspectiva mais detalhista e criteriosa, é preciso ponderar que o filme tem dificuldades. As inserções de computação gráfica deixam muito a desejar, são fracas e nem por um instante seriam capazes de enganar o espectador. O fato de ter sido gravado durante a pandemia também traz limitações drásticas, a cidade está sempre vazia, e não existe uma explicação plausível para isso. Esse contexto também gera uma série de dificuldades no roteiro em si, faz falta cenas na própria Quixeramobim, e em um contexto maior de agrupamento. É possível dizer que cenas amplas e com maior fluxo seriam um ganho fenomenal.

Ainda nessa perspectiva, fica nítida a quebra de narrativa e fluidez em alguns instantes, porém, o mais marcante é exatamente o ato final. Contudo, para a fluidez necessária seria urgente o desenvolvimento de cenas com contingente largo de pessoas, o que era inviável na pandemia.

O longa também abusa do melhor do linguajar nordestino, o que pode gerar confusão ao chegar em outros públicos. Todavia, não há como negar que parte significativa das risadas vem do texto primoroso de Halder Gomes e L.G Bayão. Com os meneios adequados eles fazem um roteiro que passa pelos arquétipos em tom de sátira, incorporando no campo da comédia uma reflexão sobre a projeção que um ambiente sulista ainda consolida sobre o Nordeste brasileiro. Entretanto, algumas soluções adotadas estão realmente no campo do fantástico, fazendo com que a discussão sociopolítica empreitada pela longa se resolva aquém do desenvolvimento feito.

Bem-vinda Quixeramobim é um filme que se declara ao Ceará, que usa do humor para pensar. É um filme para rir copiosamente, para sentar na sala de cinema e sentir-se desligado do universo, mesmo não estando. Bem-vinda a Quixeramobim é um filme que lembra um daqueles dias em que ‘tá bonito pra chover’.

Serviço:

Sessões disponíveis no Orient Cinemas, localizado no Cariri Shopping, em Juazeiro do Norte.

Horários: 15h50, 18h10, 20h30.