O cinema de super-heróis é o novo faroeste?

Para o cineasta Marcelo Paes de Carvalho, Hollywood gosta de surfar na onda do que está dando certo e do que as pessoas estão gostando em cada época. Foi assim também com filmes de zumbis, vampiros, noir, comédias românticas.




Cinema, Cultura
Vingadores: Ultimato (Foto: Reprodução/Marvel Studios)

As Marvels, próximo filme do Universo Cinematográfico Marvel (UCM), estreia aqui no Brasil em 9 de novembro, daqui pouco menos de um mês, e reaviva um debate que volta a cada novo filme de super-heróis lançado: esse gênero vai acabar? Estaríamos falando de um “novo faroeste”?

O questionamento é por conta dos fracassos de bilheteria e/ou crítica dos últimos lançamentos da Marvel e da DC. Esta última, por exemplo, vem de uma bilheteria pior que a outra nos últimos quatro projetos lançados: Adão Negro (US$ 393 milhões), Shazam! Fúria dos Deuses (US$ 133,8 milhões), Flash (US$ 268,5 milhões) e Besouro Azul (US$ 128 milhões – a pior bilheteria de um filme do DCEU).

Já a Marvel, apesar de o filme de menor bilheteria nessa última fase, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (US$ 476 milhões), ainda ter ultrapassado os últimos da concorrente, salvo algumas exceções, como as séries Loki e Wandavision e o terceiro volume dos Guardiões da Galáxia, tem sofrido com duras críticas à qualidade das suas produções mais recentes, seja em questões de roteiros genéricos ou CGI ruim – ou os dois, como no caso das séries Mulher-Hulk e Invasão Secreta.

Em novembro de 2022, foi divulgado o resultado de uma pesquisa realizada pelo site FANDOM com 5 mil fãs do cinema de heróis entre 13 e 54 anos. À época, 81% disseram que veriam qualquer coisa que a Marvel lançasse, enquanto na DC o número foi de 67%. Será que hoje, um ano depois, esses números ainda seriam os mesmos? Fato é que o gênero parece saturado após o ápice que foi Vingadores: Ultimato em 2019.

A opinião do aeroviário e fã da cultura geek Maxmiller Pereira, 27 anos, que acompanha todos os lançamentos, segue essa linha de raciocínio. “Eu acredito que o gênero de super herói precisa de inovação, e principalmente qualidade. A DC é muito instável; em alguns filmes ela apresenta algo diferente como Joker, a própria série do Pacificador, The Batman, mas não sabe muito o que fazer com o seu material. Por outro lado, a Marvel consegue manter uma linha e um padrão do que ela quer propor, mas se acomodou em uma fórmula na qual as pessoas começam a perder a paciência. Não acredito que as pessoas se cansaram do gênero, só estão ficando sem paciência com a saturação da mediocridade”, desabafou.

Loki em ação na 2ª temporada da sua série. A 1ª é considerada uma das melhores produções da fase 4 do UCM.

Mas é o novo faroeste?

A comparação se dá pela semelhança com o western, também conhecido como far west (“no longínquo oeste”; no Brasil, aportuguesado para “faroeste” ou “filmes de caubói/bang-bang“) . As estimativas são de que, entre a década de 1940 até o ano de 1958, por exemplo, quando os filmes do gênero migraram do cinema para a televisão, um terço da produção cinematográfica em Hollywood fosse de western – cerca de 50 ou mais filmes por ano.

Mas entre as décadas de 1960 e 1970, a produção caiu drasticamente, praticamente “morrendo” depois disso. O cineasta e produtor cultural Marcelo Paes de Carvalho explica como e por que isso aconteceu, e ressalta que o gênero ainda tem sua relevância.

“Do final da década de 1960 até a década de 1970, o cinema mudou de atitude à medida que uma geração cansada do Vietnã e de Watergate se tornou consumidora. Histórias mais sombrias foram contadas, com uma visão menos preto e branco da moralidade presente naquele movimento. Isso significou um período de desconstrução para os westerns, e filmes brutalmente violentos como “Meu ódio será sua herança” (The Wild Bunch – 1969) e quase toda a obra de Clint Eastwood foram lançados para um público menor e mais velho. Desde 1970, o número de westerns diminuiu consideravelmente, mas westerns de alta qualidade são lançados nos cinemas e produzidos para a televisão todos os anos. Um gênero declarado morto continuou a produzir conteúdos, e até mesmo títulos de jogos de videogame tem feito muito sucesso no mercado”, explica.

Em 2015, por exemplo, foram lançados 5 filmes western, enquanto os lançamentos de filmes de super-heróis contabilizaram apenas 3. Para Marcelo, Hollywood gosta de surfar na onda do que está dando certo e do que as pessoas estão gostando em cada época. Foi assim também com filmes de zumbis, vampiros, noir, comédias românticas. Ele ainda complementa. “Houve um aumento no número de pessoas que se mudaram para as cidades. As pessoas que crescem nas cidades provavelmente terão mais dificuldade em se relacionar com a cultura rural presente nos filmes western. Há menos westerns, mas eles não estão mortos.”

Django Livre (2012) é um relevante exemplo de filme bem-sucedido de faroeste recente

Sobre o “boom” do cinema de super-heróis nos últimos 15, 20 anos, o cineasta relacionou o sucesso a uma questão acima de tudo comercial.

“Os estúdios americanos enxergam isso como uma fórmula de sucesso quase garantida, embora tenha havido alguns lançamentos catastróficos e que deram prejuízo, como foram os casos de Adão Negro, X-Men: Fênix Negra, Quarteto Fantástico e Liga da Justiça. Fato é que alguns filmes de super-heróis no Brasil chegam a ocupar quase metade das salas de cinema de todo o país nos seus lançamentos. Todos amam um blockbuster, essa é a verdade. E além disso, os filmes de super-heróis caem na categoria que o público quer mais do que assistir, quer experimentar o filme na tela grande, ao contrário de outros filmes, que combinam mais com o assistir em casa, no sofá da sala”, disse.

Segundo Marcelo Paes de Carvalho, que também é empreendedor social, a sociedade e a forma como ela elege seus heróis mudam a cada época, e o cinema reflete isso, estando, assim, em constante movimento. Assim como o faroeste não acabou, o cinema de super-heróis não deve acabar. Talvez seu auge já tenha passado, mas o gênero certamente continuará produzindo novos filmes. Marvel e DC parecem ter aprendido com seus erros recentes e já têm agido para recalcular suas rotas após os últimos fracassos. Alguns sucessos ainda virão, assim como outros projetos ruins. Em 2023, ainda temos mais dois: As Marvels e Aquaman 2: O Reino Perdido. Resta esvaziar a mente de pré-julgamentos advindos das produções anteriores e esperar para ver…